O estudo da sexualidade na faculdade de medicina


           Desde a década de 80 até os dias atuais, a AIDS vem modificando o perfil do comportamento sexual da população, principalmente dos jovens adolescentes. O que antes era considerada uma doença de homossexuais, hemofílicos e politransfundidos, transformou-se em flagelo de homens, mulheres e crianças.

           Incidindo em pessoas em idade produtiva, a AIDS, além de ser um gravíssimo problema de saúde pública, está produzindo um impacto econômico considerável e agravando ainda mais esse quadro. Outro fator preocupante é quando nos deparamos com a subnotificação dos casos e a precariedade de pesquisas sobre o padrão de comportamento dos disseminadores de HIV, em nosso meio.

           Outras doenças sexualmente transmissíveis têm aumentado de freqüência no Brasil e no mundo. O HPV (condiloma acuminado), por exemplo, teve sua disseminação facilitada pela atividade sexual sem prevenção, resultando nos últimos anos em um aumento considerável.

          Correlacionando os dados citados ao depoimento de pacientes sobre o exercício da vida sexual, percebe-se a importância em si trabalhar a sexualidade humana. Tudo isso reforça a importância do tema e a urgência com que ele deve ser estudado.

           Nesse sentido, Tiefer (1994) reconhece três níveis da crise para o estudo da sexualidade: o que está acontecendo com o sexo na cultura; nos meios acadêmicos; no nível da doença.

          Em cada caso, as respostas da sexologia são negligenciadas, comenta o autor. Faz-se necessário um despertar para o assunto em questão, por meios de métodos de pesquisa mais sofisticados e intervenções mais precoces, o que, aliás, é uma tendência mundial.

          Os cursos de graduação em medicina, historicamente, não cuidam do ensino da sexualidade humana, a atenção está quase sempre voltada para os aspectos da anatomia e fisiologia do aparelho reprodutor masculino e feminino, gestação e aspectos clínicos-epidemiológicos das doenças sexualmente transmissíveis. Sexualidade era considerada um bloqueio entre professor e aluno, traduzindo a dificuldade de ambos em lidar com o assunto.

           Nesse ínterim, verifica-se que em geral as faculdades de medicina não preparam seus alunos para conhecimento técnico de questões concernentes a sexualidade humana – que constituem queixas espontâneas bastante freqüentes nos consultórios. A demais, os próprios estudantes e profissionais têm sexualidade, e quando conhecem e exercem uma vida sexual satisfatória, podem estar mais receptivos e sensibilizados para abordar o paciente diante de uma dificuldade sexual.

           Há outro aspecto a ser considerado na avaliação dessa questão, é muito freqüente o paciente não relatar sua dificuldade sexual, e um médico que se sinta inibido ou que não tenha desenvolvido habilidade para questionar sobre a sexualidade do seu paciente pode comprometer o atendimento. Quando isso ocorre, o profissional não terá desempenhado sequer o papel de triador, pois não terá sido capaz de obter do paciente sua queixa principal.

            Quando Freud afirmou, pela primeira vez, que mesmo crianças pequenas possuíam sexualidade, causou certo repúdio na comunidade cientifica de sua época, e muitos anos se passaram até que suas observações pudessem ser aceitas com menos constrangimento.

            Outros pesquisadores seguiram-se a Freud no estudo da sexualidade humana, ampliando a dimensão do seu conhecimento. Dentre estes Kinsey, que efetuou pesquisas as quais revelaram que o comportamento sexual de homens e mulheres apresenta um repertório muito mais variado do que aquele anteriormente admitido, sem que a variabilidade necessariamente configure distúrbio nesse campo.

           Contudo, mercê das dificuldades inerentes ao estabelecimento de uma vida sexual saudável, indistintamente a médicos, pacientes e aos diversos grupos sociais, e a subjetividade sempre presente quando o assunto remete a sexualidade, a porta aberta por Freud foi novamente se fechando ao estudo científico encampado pela medicina: quer sob a alegação explicita de que este neurologista não fazia ciência, porque “apenas descrevia o resultado de suas observações clínicas”, quer diante da dificuldade implícita que muitos médicos possuem de se reconhecerem como pessoas, as quais padecem das mesmas necessidades e angústias que seus colegas, clientes e alunos.

          Considera-se, portanto, fundamental o estudo da sexualidade nas faculdades de medicina. Oportunamente, o estudante poderá, há um tempo, reconhecer o modo como tem desenvolvido sua vida sexual – e dar a si mesmo a atenção e o encaminhamento que suas descobertas indicarem – e identificar as dificuldades sexuais de seus pacientes, independentemente da especialidade médica que escolher. Só assim, poderá atuar com toda a abrangência e qualidade que a grandeza de sua escolha profissional requer.


Ana Virginia Gama

Ginecologista

Coordenadora do Curso de Educação Médica Continuada do CRM/TO

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